A assinatura do acordo de delação do ex-ministro Antonio Palocci com a Polícia Federal – revelada nesta quarta-feira (26) pelo jornal “O Globo” – reacende especulações sobre a eventual relação entre o mercado financeiro e os crimes investigados pela Lava Jato.
É conhecido o impacto das investigações sobre as empreiteiras, que antes pareciam inabaláveis: milhares de demissões, fornecedores quebrados, obras abandonadas. Mas a coisa toma outra dimensão quando se trata do setor financeiro, onde está depositado o grosso do dinheiro de cidadãos e empresas.
Um banco ameaçado representa um problema muito maior para a economia do que uma empreiteira à beira da falência. Ainda mais no Brasil, onde a concentração bancária só aumenta: os quatro maiores detêm mais de 70% dos ativos e quase 80% dos depósitos e empréstimos. E, como o sistema financeiro é todo interligado, a “doença” de um pode se espalhar rapidamente para os demais – é o chamado risco sistêmico.
Apesar disso, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo em meados de 2017 – quando esta reportagem foi publicada originalmente, em meio a crescentes rumores sobre o envolvimento de grandes bancos na Lava Jato – disseram não esperar qualquer desastre.
Na avaliação deles, é pouco provável que a solvência das principais instituições financeiras venha a ser ameaçada, mesmo que banqueiros ou altos executivos sejam presos, e mesmo que lá na frente elas tenham de pagar multas pesadas por crimes ou infrações administrativas.
Os especialistas também disseram ver poucas chances de corrida bancária – o fenômeno em que multidões de clientes tentam sacar dinheiro ao mesmo tempo por medo de que o banco quebre, o que acaba facilitando a própria quebra.
“Se a Lava Jato chegar num executivo de um grande banco, a imagem da instituição sai arranhada. Mas não vejo risco de quebra, nem para o banco, nem para o sistema. Numa situação dessas, a instituição se blinda afastando imediatamente o executivo que estiver envolvido”, disse João Augusto Salles, analista da consultoria Lopes Filho & Associados.
Para o consultor, pode ocorrer, “no limite, radicalizando”, uma migração de recursos rumo aos estatais Banco do Brasil e Caixa, que sempre podem contar com o socorro do governo. “Mas mesmo esse seria um passo radical”, avaliou.
É difícil calcular antecipadamente a extensão dos danos que a Lava Jato pode provocar no sistema bancário porque ela depende de vários fatores. Por exemplo, o “pedigree” dos envolvidos. Quanto maior o banco encrencado, maior o estrago. Da mesma forma, a prisão de um presidente pesa mais que a de um gerente.
A reação da instituição também é determinante: se for transparente em seus comunicados e afastar logo os investigados, o prejuízo tende a ser menor. Outro fator tem a ver com a abordagem policial. Uma operação espalhafatosa tem mais potencial de disseminar o pânico no mercado do que uma mais discreta.
“Se os bancos participaram dessa ciranda, têm de ser investigados e punidos. Não merecem tratamento diferenciado. Mas é preciso avaliar com muito cuidado a forma como isso será conduzido e divulgado. É um ramo delicado, que mexe com a economia popular”, disse Luiz Miguel Santacreu, analista da agência de classificação de risco Austin Rating.
O caso que serve de parâmetro para a maioria das análises é a prisão de André Esteves, sócio do BTG Pactual, em novembro de 2015, sob suspeita de tentar obstruir a Lava Jato. Em um dia, as ações do banco caíram perto de 40%. Vários clientes bateram em retirada, fazendo saques volumosos.
“Esse é um caso particular porque a imagem do Esteves sempre foi muito associada à do BTG. No caso de instituições maiores, não acho que a prisão de um banqueiro possa interferir na solidez do banco”, avaliou Santacreu, da Austin Rating.
Em setembro de 2017, por falta de provas, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a absolvição de Esteves na ação em que ele era acusado de tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. O?MPF também pediu a absolvição do ex-presidente Lula no mesmo processo, por não ter encontrado evidências de que ele tentou obstruir a Justiça.
Embora tenha se agigantado nos anos que antecederam a prisão de Esteves, o BTG é pequeno perto dos grandes bancos comerciais. No melhor momento, seu patrimônio de referência “nível 1”, de alta qualidade, chegou a R$ 23 bilhões – uma fração dos números que hoje exibem Itaú (R$ 111 bilhões), Bradesco (R$ 73 bilhões) e Santander (R$ 58 bilhões), os maiores bancos privados.
“Não creio que o sistema bancário vá ser abalado. Ele é muito forte e os acionistas, muito robustos”, disse Fernando Meibak, que foi executivo de bancos e hoje é sócio da Moneyplan Consultoria.
Salles, da Lopes Filho, observou que o perfil do BTG e de seus clientes também foi determinante para o estrago causado pela prisão do banqueiro.
“O BTG é um banco de investimentos, com clientes institucionais, que são muito mais sensíveis. Basta um ruído para que comecem a resgatar os recursos. Isso afeta muito os bancos de pequeno e médio porte”, disse Salles. “Nos grandes bancos de varejo, os clientes são muito mais pulverizados.”
Em meio ao choque da prisão de André Esteves, os sócios do BTG agiram rápido: afastaram o sócio da diretoria e trataram de levantar dinheiro. Em apenas uma semana, venderam a rede de hospitais Rede D’Or por R$ 2,4 bilhões. Na sequência, passaram adiante carteiras de crédito e até um banco na Suíça.
O BTG encolheu drasticamente – o valor de seu ativo despencou de R$ 289 bilhões em setembro de 2015 para R$ 112 bilhões no fim de 2016 – mas conseguiu estancar a sangria. Em dezembro de 2017, o ativo total do banco era de R$ 126 bilhões.
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Fonte: Gazeta do Povo